Uma das coisas que mais gosto de fazer ao ver vídeos da era romântica do automobilismo é reparar nas casas próximas à pista. Algumas dessas casas são tão marcantes que até viraram nome de trechos, como Maison Blanche no Circuíto de La Sarthe, palco das 24 horas de Le Mans; o ponto de referência é assim incorporado ao traçado.
Essas casas, com suas varandas e janelas, presenciaram o nascimento e desenvolvimento do esporte a motor. Tudo aconteceu porque muito antes do arquiteto Tilke dar traços aos circuitos ultramodernos, muitas vezes chegando a um resultado sem sal algum, entusiastas ligaram estradas das suas localidades, que corriam de forma natural sobre o relevo da região, para então nelas exigir tudo de seus automóveis.
Nos bosques belgas, numa região de muitas colinas e construções com influência holandesa, situa-se um circuito famoso por suas curvas e paisagens. Trata-se do belo e desafiador Spa-Francorchamps, palco de corridas de Grand Prix já na década de 20, e presente na primeira temporada da Fórmula 1 nos anos 50.
Seu traçado original espalhava-se de forma triangular pelo terreno, numa extensão de 14, 120 quilômetros. Esse trajeto foi idealizado por Jules de Their e Henri Langlois Van Ophem, utilizando as estradas que uniam Malmedy, Stavelot e Francorchamps. Essa pista foi inaugurada em 1922 e já em 1925 ocorria a primeira edição das 24 horas de Francorchamps.
A pista combinava curvas de alta, subidas e descidas, com apenas uma curva de lenta, a La Source, um cotovelo que marca o inicio do percurso. Após a La Source, temos a incrível Eau Rouge, curva única criada em 1939 para desafiar os pilotos e carros, antes de uma sequência de curvas e retas, que deixavam a volta com uma alta média horária, até encontrar novamente a La Source, após os aproximadamente 14 quilômetros percorridos.
Spa sempre teve muitas semelhanças com Nurburgring. O trajeto longo e desafiador, a paralisação durante o período da Segunda Guerra Mundial, as mudanças climáticas constantes, por vezes até mesmo tempo seco e chuvoso na mesma volta, e a ocorrência de acidentes tanto violentos quanto fatais.
Nos primórdios, talvez devido à tecnologia da época, os acidentes não foram graves, mas com o aperfeiçoamento dos carros ao longo dos anos a coisa virou. No ano de 1960 houve em Spa uma das etapas mais negras da história do automobilismo, com eventos graves que vitimaram os pilotos Chris Bristow e Alan Stacey, também Stirling Moss se acidentou, quebrando as suas duas pernas e escapando milagrosamente da morte.
Em Spa ocorreu também o maior susto da vida de Jackie Stewart. O escocês aquaplanou com seu BRM na chuva de 1966 e bateu forte, ficando preso nas ferragens, ensopado de gasolina. Por sorte o pior não aconteceu, mas este susto foi responsável pela cruzada de Stewart por mais segurança nas pistas e ao posterior boicote ao traçado antigo por parte dos pilotos.
Mas o belo circuito também foi palco de grandes momentos. As disputas de Fangio, Farina e Ascari com suas Mercedes, Lancia e Ferrari, na década de 50, criaram uma legião de apreciadores do esporte. Na década seguinte a história seguiu com G. Hill, J. Clark, P. Hill, Gurney, Bruce McLaren…heróis que vivenciaram o aumento da velocidade e dos perigos, sempre levando seus Ferrari, Cooper, BRM, Lotus, Eagle e outros “charutinhos” da forma mais veloz ao longo caminho asfaltado que dificilmente acompanharia a evolução dos carros.
Spa se afastou da Fórmula 1 em 1970, para voltar ao calendário, reformada, em 1983. Agora com metade da extensão original, mais seguro e igualmente desafiador. Principalmente por ter preservado os 3 quilômetros iniciais, ela recebia os velozes carros da era turbo, que cruzavam então as míticas La Source, Eau Rouge, Raidillon, e despencavam 2,5 quilômetros morro abaixo, entre as curvas Rivage e Stavelot.
Assim, muitas daquelas casas voltavam a ter nas suas proximidades o movimento dos carros de corrida, que reencontravam o cenário que levou Spa-Francorchamps a ser um dos mais tradicionais circuitos do mundo.
Autódromos com essa tradição devem ser preservados, mesmo que a evolução leve a procura por circuitos menos cativantes. Ocorrendo isto, quando olharmos para o passado, as curvas e os perigos de outrora ainda estarão disponíveis, com suas histórias e lendas.
Muito foi perdido com o passar dos anos em outros locais importantes. Existem hoje apenas lembranças das curvas inclinadas de Avus, em Berlim, e Brooklands,na Inglaterra, por exemplo. Outros trechos foram apenas deixados de lado, ainda podem ser recuperados, como o anel externo e a parte antiga de Interlagos, mesmo assim termos Spa-Francorchamps ainda no calendário da Fórmula 1, juntamente de Monza, Mônaco e Silverstone, é uma vitória para quem conhece a história deste esporte.
Bibliografia para este post:
http://www.downforcef1.wordpress.com
http://www.mundo-rolamentos.blogspot.com
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Muito bom Rafa, diria ótimo!
Pena que não teremos mais a desafiadora “Um” aquela freada da “Três” a magnifica entrada da “Ferradura” e o intrigante e rápido “Sol” já que dificilmente teremos o Templo com o traçado original novamente.
Algumas grandes curvas que vc citou separavam os homens dos meninos, os grandes pilotos daqueles que simplesmente faziam número.
Parabens
Rui
Rafa parabéns pela matéria! Esse trajeto inicial de Spa é algo que não tem como esquecer e concerteza naquela época os pilotos eram homens de verdade! Sou da época dos jogos de computador e a sensação de pilotar no circuito de Spa mesmo virtualmente é algo muito interessante, eu jogava a série Grand Prix para computador e confesso tinha certos problemas nesse circuito quanto as minhas habilidades como piloto virtual hahaha! Creio que podemos comparar os pilotos daquela época com os pilotos das nossas Carreteras aqui no RS!
abraçao!